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Desembargador que multou Uber em R$ 1 mi diz que apps são ‘neoescravidão’


Conjur em 09/12/2021


O desembargador Marcelo Ferlin D’Ambroso, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, foi responsável pela relatoria de processo que multou a Uber, por dumping social, em R$ 1 milhão. Em entrevista ao Jornal do Commercio, o julgador classifica o trabalho por aplicativos como uma forma de “neoescravidão”.

“Nós temos regulamentação, ela se chama Consolidação das Leis do Trabalho. Toda relação de trabalho deve se pautar pela CLT. Essa forma de organização de trabalho, que é mediada pelo algoritmo, pelos aplicativos, é uma novidade no mundo tecnológico, mas no plano regulamentar, não. Basta apenas aplicar o que já temos. Isto é o que eu tenho feito nas minhas decisões”, afirmou.

Em reportagem da ConJur sobre a chamada gig economy (economia de “bicos”), o advogado e juiz do trabalho aposentado José Roberto Dantas Oliva foi na mesma linha: a CLT é suficiente para cuidar dessa nova forma de trabalho. Para ele, os requisitos configuradores da relação de emprego normalmente estão presentes nas relações da gig economy.

“O artigo 6º da CLT, por sinal, é claro ao estabelecer que não há distinção entre ‘o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego'”, explica.

Além disso, o parágrafo único do mesmo artigo dispõe que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”.

“Assim, considerando que a exclusividade nunca foi requisito para a configuração de relação de emprego, que há absoluto controle do trabalhador por algoritmos e, inclusive, de deslocamento por GPS, parece que, em regra, é inequívoca a completa subordinação jurídico-eletrônica dos entregadores”, opina.

Dumping social
Na entrevista ao Jornal do Commercio, D’Ambroso sustentou que o “dumping social” praticado pelas empresas de aplicativo consiste na redução ilícita dos custos da atividade. “A única coisa que não é terceirizada pelos aplicativos são os lucros. É aquela questão da privatização dos lucros e da socialização dos prejuízos. Então, a avaliação da qualidade dos serviços é feita pelos usuários, o algoritmo dá orientação de como prestar a corrida, do trajeto a ser percorrido. Ele dá todo o direcionamento, mas não paga nenhum direito social, como FGTS e descansos semanais remunerados. Todos os direitos fundamentais mais básicos são negados”, explica.

“Então, o dumping social não tem nada a ver com regulamentação. Porque mesmo com regulamentação, o aplicativo pode mascarar a relação de trabalho. Logo, são as novas tecnologias que têm que se adequar à Constituição, às leis e ao ordenamento jurídico, não o inverso. Senão, estaremos enxugando gelo, já que a tecnologia evolui de forma muito rápida”, acrescenta.

Por fim, ele afirma que a falta do reconhecimento de vínculo empregatício entre essas plataformas e os trabalhadores consiste em uma violação dos direitos humanos. “Todos os direitos trabalhistas acabam ficando de lado. Penso que não necessitamos de novas regulamentações, mas abro espaço para defender que a única normativa pertinente a adotar seria a tipificação como crime das práticas de dumping social, a fim de frear a exploração do trabalho alheio e garantir Direitos Humanos para os trabalhadores”, disse.