Discussões acerca da licença-maternidade se apresentam entre os principais temas do Direito das Famílias para 2021. Cada vez mais, a exclusividade do benefício às mulheres é mitigada em nome do princípio da isonomia entre gêneros. Afinal, os cuidados e as responsabilidades com os filhos por ambas as figuras parentais vale desde a chegada dos rebentos ao mundo.
Na semana passada, um professor municipal conseguiu licença de 180 dias por ter se tornado pai de gêmeos, frutos do casamento homoafetivo e de técnica de reprodução assistida. A 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP deu provimento ao recurso após a Secretaria de Educação da Prefeitura negar o pedido por ausência de previsão legal. A advogada Fabiana Lellis atuou pelo servidor público.
O relator destacou a evolução no conceito de família desde a Constituição Federal de 1988 e rebateu o posicionamento inicial ao defender que o operador do Direito deve se valer da analogia para suprir a lacuna legal. Destacou ainda que filhos de relações homoafetivas em que não há figura da mulher, a negativa do direito aos pais configuraria reprovável distinção dos filhos advindos de relação heteroafetiva.
A decisão do colegiado, unânime, observou a necessidade de garantir o melhor interesse da criança, além dos direitos a casais homoafetivos e operou, ainda, pela igualdade entre homens e mulheres, seguindo uma tendência já consolidada em alguns países. No primeiro dia de 2021, a Espanha equiparou a licença paternidade e maternidade, avançando na igualdade de gênero.
Negar direito a casal homoafetivo é afrontar o sentido de família, diz especialista
Para a advogada e professora Melissa Folmann, presidente da Comissão de Direito Previdenciário do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão da Justiça de São Paulo é fantástica e demonstra o verdadeiro sentido da existência da licença-maternidade: a proteção da família.
“Muitos podem pensar que a licença-maternidade é um instituto de proteção das mulheres, mas não. É o reconhecimento de que há uma nova pessoa naquele núcleo familiar a demandar cuidados e, especialmente, adaptação do todo. Portanto, quando a jurisprudência reconheceu a licença paternidade e, posteriormente, a Constituição fez o mesmo, nada mais notável do que a proteção da família”, explica Melissa.
Segundo a especialista, outras decisões que já reconheceram o elastecimento do prazo aos pais, e o TJSP segue o caminho adequado, com grande adequação social ao fazê-lo em relação ao casal homoafetivo. “Não porque a decisão seja inédita, mas porque ainda se faz necessária dentro da realidade social refutada legalmente e porque coloca a sociedade para pensar: de que adianta reconhecer a união homoafetiva e afastar o direito fundamental de ser pai?”, indaga.
“A sociedade precisa parar de tachar pessoas e compreender que aquele modelo patriarcal não representa mais as famílias, que hoje baseiam-se muito mais no amor do que na imposição. Logo, permitir a relação pai e filho por mais tempo do que o previsto para a mãe já foi um avanço jurisprudencial. Agora resta compreender que negar aos casais homoafetivos esta proteção representaria a mais gritante afronta ao sentido de família e, consequentemente, à dignidade humana”, frisa Melissa.
Brasil ainda precisa avançar na igualdade de gênero
Segundo a advogada, o Brasil precisa avançar no plano constitucional sobre a igualdade de gênero. “É preciso compreender que a licença-maternidade não se baseia no direito à amamentação ou, infelizmente, no ditado popular do ‘quem pariu, cuide’. Essas afirmações não se coadunam com o objeto de proteção da licença maternidade: proteger a família.”
“Uma família que recebe um novo membro e que necessita receber e demonstrar o amor e a importância daquela pessoa naquele núcleo. Portanto, é direito de homens e de mulheres, não interessa a forma de constituição do casal, se hetero ou se homoafetivo, protegerem suas famílias”, acrescenta Melissa.
Ela pondera que, enquanto a Constituição Federal, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, art. 10, §1º, e as leis infraconstitucionais, a exemplo da Lei 13.257/2016, que dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância, não se adequarem ao real sentido da licença de proteção à família, haverá necessidade de se recorrer ao Judiciário.
“A expressão ‘licença-maternidade’ não pode ser uma cortina de ferro sobre o direito das famílias a terem tempo integral com seus novos membros, independentemente do papel de pai ou mãe”, assinala Melissa.
Direitos trabalhistas e previdenciários
Na última sexta-feira (22), a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal – STF, estendeu a licença-maternidade de 120 dias a uma enfermeira, levando em consideração o nascimento prematuro do bebê, passando a contar o prazo depois da alta hospitalar da criança. A medida foi tomada com base em decisão anterior do Plenário, com relatoria do ministro Edson Fachin, em que se entendeu que o prazo só deve contar a partir da alta do recém-nascido.
“Primeiramente há de se fazer uma distinção entre licença-maternidade, direito trabalhista, e salário-maternidade, direito previdenciário. A diferença é deveras importante para analisar a decisão do STF que se deu em caso de salário maternidade com força coercitiva em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS”, comenta Melissa.
A advogada explica que, em um primeiro momento, a diferença pode não ser considerada relevante, mas juridicamente os impactos e as consequências são extremamente diferentes. Como exemplo, ela cita o fato de que, para casos como o decidido pelo STF, há o debate se não seria o caso de uma auxílio incapacidade temporária parental (antigo auxílio-doença), tendo em vista a necessidade da mãe e/ou do pai derivada dos problemas de saúde do filho até o dia da alta do bebê.
De acordo com a especialista, uma pessoa pode ter a licença-maternidade ou a licença-paternidade deferida e não ter salário-maternidade. Portanto, pode ficar afastada do trabalho, mas sem receber do INSS. “Pelo que se pode extrair da decisão do STF (aqui debatidos o salário-maternidade e a licença-maternidade), não houve elastecimento do prazo de salário-maternidade, mas sim redefinição do marco inicial para concessão do benefício, que não seria nos 28 dias antecedentes ao parto e nem no dia do parto, mas iniciaria os 120 dias com a alta do bebê prematuro.”
Portanto, permanece a questão de como fica a proteção previdenciária e trabalhista de pais e mães de filhos prematuros ou com problemas de saúde que os fazem permanecer internados. “Desta feita, a decisão é adequada em relação ao marco inicial dos benefícios trabalhista e previdenciário, mas ainda não atende plenamente os princípios basilares do Direito das Famílias contemporâneos porque aquele pai ou mãe não teve a licença estendida e, portanto, como ficam todos os dias afastados de seu trabalho para estar com o filho no hospital?”, questiona.
“A realidade tem respondido que pai ou mãe ficam sem proteção social neste momento, salvo se empregados e o empregador conseguir conviver com a questão sem prejuízo da remuneração. Assim, a decisão não resolve o problema, apenas minimiza o impacto. Destaco: não estou questionando o STF em relação a isso, mas dizendo que a lei e a jurisprudência ainda precisam refletir sobre situações de proteção social para além do nome de um benefício”, conclui Melissa.
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