A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ iniciou na terça-feira (18) a análise da possibilidade de implantação de embriões após a morte de um dos cônjuges. Os filhos de um homem já falecido, herdeiros universais, contestam decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP que permitiu à viúva realizar a fertilização.
Consta nos autos que o homem deixou dois filhos, adotados em relacionamento com a sua primeira esposa. Em um segundo casamento, ele não teve filhos. Os herdeiros universais então ajuizaram ação contra a terceira esposa e o hospital para reconhecimento e declaração da inexistência de direito à utilização post mortem dos embriões congelados.
A sentença em primeiro grau acatou o pedido dos filhos. Em recurso, o TJSP autorizou a mulher a realizar a fertilização, por considerar que os contratantes acordaram, em caso de morte de um deles, que os embriões seriam mantidos sob custódia do outro, em vez de serem descartados ou doados.
Relator no STJ tem voto favorável à viúva
Relator do caso, o ministro Marco Buzzi votou para permitir a implantação, destacando ser incontroverso que o falecido nutria o desejo de ter filhos com a esposa. Afinal, a realização de inseminação artificial não serviria para outro fim.
No acórdão, Buzzi também observou o desejo do idoso em deixar sucessor biológico: “É certo que o falecido tinha outros filhos, autores da ação, mas estes, sem demérito da condição, não são filhos biológicos, mas sim adotivos.”
O ministro salientou que o artigo 1.597 do Código Civil criou presunções legais de paternidade aplicáveis às situações de reprodução medicamente assistida, como no caso em tela. O ministro Luis Felipe Salomão pediu vista, suspendendo o julgamento.
Ministros devem seguir entendimento do relator, diz especialista
Para José Roberto Moreira Filho, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família seção Minas Gerais – IBDFAM-MG, o STJ deve seguir a linha de entendimento colocada pelo relator. “Havendo autorização do falecido para o uso do seu material biológico e sendo inequívoca essa autorização, que ela seja dada”, opina o advogado.
“Se houve produção de um embrião homólogo, a mulher tem o direito à fertilização, nos termos do artigo 1.597, inciso 3 do Código Civil”, explica José Roberto. O dispositivo diz: “Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido”.
Caso a discussão não girasse em torno do embrião, mas de sêmen deixado pelo falecido, a autorização também seria necessária. “Nesses casos, o homem pode congelar o sêmen para outros fins. Ocorre que, no caso concreto, houve o congelamento do embrião para uma tentativa futura de gravidez pelo casal.”
“Diante da notícia, se o marido deixou o consentimento para o uso do seu material biológico, seja o seu gameta ou o embrião produzido com a sua esposa, é necessário que se observe a sua vontade e que se permita a fertilização, porque a legislação caminha nesse sentido”, ressalta.
Necessidade de lei sobre inseminação artificial
O advogado explica que não há legislação específica sobre reprodução humana artificial no Brasil, o que leva a decisões conflitantes, principalmente nos casos de inseminação artificial post mortem. Atualmente, faz-se necessária, aos olhos do Conselho Federal de Medicina – CFM, uma autorização do falecido específica para o uso do seu material genético. Contudo, não se especifica como deve ser dada essa autorização – se pode ser verbal, tácita, oral, expressa por escrito público ou particular.
“Precisamos de uma legislação que especifique, de forma muito clara, como vai ser dada a autorização, em quanto tempo esse embrião pode ser utilizado pelo cônjuge sobrevivente e quais as formas de utilização, também para regular os direitos sucessórios e familiares”, detalha José Roberto.
Ele aponta que o ordenamento jurídico só tem duas normas sobre o tema. O Provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ orienta os tabeliães e notários a fazer o registro das crianças nascidas de fertilização. Já a Resolução 2.168/2017 é uma norma deontológica do CFM que orienta o procedimento ético no tratamento de fertilização.
“Temos vários projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional e até hoje nenhum deles sequer foi levado à votação no Plenário para ser aprovado. Enquanto isso, o CFM já publicou diversas resoluções sobre o assunto. Desde a década de 1980, temos crianças nascidas por inseminação artificial no Brasil e, até agora, nenhuma lei sobre o assunto.”
A notícia se refere ao Recurso Especial – REsp 1.918.421.
Fonte: Ibdfam.