A 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP manteve a condenação de um homem que ameaçou divulgar fotos íntimas de uma mulher por entender que a tentativa já configura o crime de extorsão. A decisão reformou parcialmente sentença proferida pela Vara de Presidente Bernardes e reduziu a pena para quatro anos e oito meses de reclusão em regime semiaberto.
Conforme consta nos autos, o réu convenceu a vítima a lhe enviar fotos íntimas após conversas nas redes sociais. Desde então, passou a exigir que a mulher depositasse quantia em dinheiro em sua conta bancária para que as fotos não fossem divulgadas, e a ameaça com fotos nas quais portava arma de fogo.
Para o relator do recurso, não é necessária a efetiva obtenção da vantagem econômica para que se configure o crime de extorsão, bastando o constrangimento causado à vítima, mediante violência ou grave ameaça, para que ela faça ou deixe de fazer alguma coisa, “sendo o alcance do resultado visado, mero exaurimento”. O magistrado pontuou ainda que a tese da tentativa de extorsão sustentada pela defesa é “argumento que não se acolhe”.
Com relação à fixação da pena, o relator frisou que “o ponto de partida, nesta fase intermediária, deveria ser a pena-base”, recaindo a fração de aumento de 1/6 sobre a pena mínima.
Bom caminho
Para a advogada Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão da Justiça Paulista andou por bom caminho. “Com efeito, a materialidade delitiva e autoria do delito de extorsão restou demonstrada durante a investigação policial e a instrução como se depreende nos autos, com a confirmação da existência de ameaças nas quais se exigia quantia em dinheiro para não divulgar fotos íntimas.”
“As circunstâncias que envolveram a conduta criminosa destacam-se nos fatos provados de que a vítima, após enviar, em confiança, fotos íntimas ao réu, que houvera conhecido por meio de redes sociais, passou a ser ameaçada de ter suas fotos expostas na internet caso não fizesse depósitos de dinheiro em favor do acusado. Sobre a autoria e materialidade, não houve inconformismo da defesa, que apenas advogou a tese da tentativa, argumento que não foi acolhido, com acerto, pela Justiça”, pontua a especialista.
A advogada explica que é irrelevante para a consumação do crime de extorsão a obtenção da vantagem econômica visada, pois, tratando-se de crime formal, é suficiente o constrangimento, mediante violência ou grave ameaça, para que alguém faça, tolere que se faça ou deixe de fazer alguma coisa, como estabelece o artigo 158 do Código Penal. “Na extorsão, o alcance do resultado visado representa o mero exaurimento do crime.”
Com relação a este tipo penal, Adélia lembra que o Superior Tribunal de Justiça – STJ editou a Súmula 96: “crime de extorsão consuma-se independentemente de obtenção da vantagem indevida”. “Para a referida súmula, trata-se de um crime formal, ou seja, se consuma apenas com a conduta, com a ameaça, no caso comentado, resultando na condenação do réu a quatro anos e oito meses de reclusão, e onze dias-multa. Determinou também a Justiça ser inviável a substituição da pena privativa de liberdade do réu por restritivas de direitos, em razão da pena aplicada ser superior a quatro anos e do fato de o crime ser cometido com grave ameaça contra a pessoa (art. 44, incisos I e III, do CP).”
Avanço tecnológico
A advogada ressalta que a extorsão é delito patrimonial antigo, que independe da obtenção efetiva de vantagem, exaurindo-se na grave ameaça ou violência. No entanto, a aplicação no caso de ameaças de divulgação de imagens íntimas, segundo ela, é mais recente e tem sido recorrente na sociedade em razão do avanço tecnológico na divulgação e transmissão de informações e imagens.
“A revolução digital trouxe inúmeros benefícios para a humanidade, facilitando a comunicação global, estudos, difusão de conhecimentos e a diminuição da distância existente entre pessoas, empresas e entidades, proporcionando mudanças inimagináveis há menos de um século”, lembra Adélia.
Ela pontua que a tecnologia não trouxe apenas benefícios: “Uma tecnológica modalidade de violência que afeta especialmente as mulheres, considerada violação a sua dignidade sexual, apresenta-se atualmente: o registro e/ou a divulgação de imagens ou vídeos que envolvem conteúdo sexual sem o consentimento de pelo menos uma das pessoas envolvidas, sujeitando a outra pessoa a situações de exposição, vulnerabilidade e ou constrangimento”.
A especialista pondera que, no caso sob análise, o Ministério Público não caracterizou a conduta como crime contra a dignidade sexual da vítima, pois destacou-se o dolo de obtenção de vantagem econômica, mediante as ameaças. “Entendo, entretanto, que se fossem divulgadas as imagens o réu poderia ter incorrido também em crimes contra a dignidade sexual da vitima.”
Adélia salienta que há casos em que “a obtenção dessas imagens pode ter sido em contextos de confiança e intimidade, associada às condutas de sexting (sex: sexo; texting: escrever texto; enviar fotos, frases ou vídeos sensuais para parceiros ou colegas)”.
“Ressalte-se, entretanto, que o agente pode igualmente obter tal material através de furto ou outras condutas criminosas como invasão de dispositivos informáticos. Há casos que, não necessariamente chegam à internet, e podem se desenrolar totalmente fora dela – a ameaça de divulgação on-line, chantagens e as extorsões, como no caso julgado”, reconhece a advogada.
Tais violências, segundo a especialista, na maior parte dos casos, atingem mulheres que têm sua intimidade e privacidade violadas, especialmente por namorados, companheiros, em momento de briga ou separação, o que revela um caráter não só ofensivo como também uma cultura sexista-machista. “Verifica-se que as ocorrências, majoritariamente, são de homens que divulgam ou ameaçam divulgar imagens de mulheres, usando desse artifício para chantageá-las, coagi-las e vulnerabilizá-las.”
“Daí a importância da divulgação de condenações desse tipo de ato criminoso, para que possa servir de prevenção geral, além da necessidade urgente de fomentar campanhas de conscientização e educação sexual dos jovens”, conclui Adélia Moreira Pessoa.