Marcelo Bolognese: liminares deram ganho de tempo importante para empresas — Foto: Claudio Belli/Valor
A Receita Federal rejeitou uma tese que foi utilizada por contribuintes para tentar, no Judiciário, postergar o pagamento de impostos durante a pandemia – antes ainda de o governo autorizar o adiamento de alguns deles por meio da Portaria nº 139, de 3 de abril. O órgão entendeu, por meio de duas soluções de consulta, que não pode ser aplicada, em meio à crise, outra portaria, a de nº 12, que trata de calamidade pública.
Pelas soluções de consulta nº 131 e nº 4.025, editadas neste mês, respectivamente, pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) e pela Divisão de Tributação (Disit), a portaria e a Instrução Normativa RFB nº 1.243, ambas de 2012, tratam de situação distinta da calamidade pública reconhecida pelo Decreto Legislativo n° 6, deste ano, que tem abrangência nacional, decorrente da pandemia global.
A Portaria nº 12 permite a prorrogação dos tributos federais por 90 dias para contribuintes localizados em município com calamidade pública decretada por decreto estadual. A instrução normativa, por sua vez, trata das obrigações acessórias. Há discussão, no entanto, em razão de a portaria nunca ter sido regulamentada – para a Receita não seria autoaplicável.
No começo da pandemia, algumas empresas utilizaram a portaria para pedir a postergação no Judiciário. Na época, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) estimou que só os pedidos para adiar pagamentos com base na Portaria nº 12, de 2012, poderiam gerar um rombo superior a R$ 355 bilhões.
Algumas empresas conseguiram decisões judiciais favoráveis que depois foram reformadas, segundo advogados. E no começo de abril, a Portaria nº 139 autorizou a postergação de PIS, Cofins e contribuição previdenciária.
Na Solução de Consulta nº 131, um contribuinte alega que o surgimento da pandemia atrapalhou sua atividade de comércio atacadista, predominantemente, de produtos alimentícios. Por isso, teria dificuldades para pagar os tributos e apresentar declarações para o cumprimento das obrigações acessórias. No pedido, perguntou se poderia postergar os recolhimentos com base na Portaria nº 12.
A resposta, porém, foi negativa. “O contexto em que a referida portaria foi editada é particularmente distinto daquele ora vivenciado”, afirma a Cosit por meio da solução de consulta. A norma, acrescenta, está voltada a situações pontuais, que abranjam determinadas delimitações territoriais compostas, no máximo, por alguns municípios, e não todo o Estado.
A portaria e a instrução normativa, diz o órgão, foram formuladas em razão de desastres naturais localizados em determinados municípios, o que é diferente de uma pandemia global. Já no aspecto normativo, destaca, não se confunde uma calamidade municipal reconhecida por decreto estadual com uma calamidade de âmbito nacional reconhecida por decreto legislativo.
A Solução de Consulta Disit nº 4.025 vai no mesmo sentido. Reforça que a Portaria nº 2 e também a Instrução Normativa nº 1.243, ambas de 2012, não se aplicam ao caso.
Segundo o advogado Marcelo Bolognese, do escritório Bolognese Advogados, as empresas tentaram usar a portaria antes de o governo prorrogar o pagamento de tributos. E para abranger outros, além de PIS e Cofins, como IPI e contribuição social.
“Como a PGFN e a Receita não se manifestavam sobre a prorrogação, as empresas foram ao Judiciário”, afirma Bolognese. “É curioso esse posicionamento da Receita de que uma enchente possibilita a prorrogação de tributos por 90 dias, mas uma pandemia global não”.
O advogado lembra que, no começo da pandemia, houve “desespero” das empresas. “As liminares, mesmo com a revogação posterior, já deram um ganho de tempo importante em um momento de queda de receitas”, diz.
Esse posicionamento da Receita já era esperado, segundo Vinicius Jucá, sócio do TozziniFreire Advogados. Os juízes, afirma, começaram a negar os pedidos com base em decisão do ministro Dias Toffoli de que não cabia ao Judiciário determinar a postergação de tributos. “Em termos de política tributária eu entendo a decisão [do Toffoli] e as soluções de consulta, mas juridicamente a portaria deveria se aplicar para tudo.”
FONTE: Valor Econômico – Por Beatriz Olivon, 26/10/2020