O Supremo Tribunal Federal – STF avalia os efeitos previdenciários para crianças e adolescentes sob guarda. A análise é sobre a constitucionalidade da lei que veda o direito daqueles que estão sob guarda à pensão por morte junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS. A norma em vigor determina que apenas “o enteado e o menor tutelado equiparam-se ao filho”.
A Corte analisa o artigo 16, § 2º da Lei 8.213/1991, na redação dada pela Lei 9.528/1997, no julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4.878 com a ADI 5.083, que tem o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM como amicus curiae. O placar, até o momento, é de três votos a um.
O relator, ministro Gilmar Mendes, votou para negar provimento às ações e declarar a constitucionalidade da vedação. Os ministros Alexandre de Moraes e Marco Aurélio seguiram o entendimento, e apenas Edson Fachin deu um voto divergente. Confira a íntegra dos votos no site do STF.
Possibilidade de fraude
A exclusão legal do “menor sob guarda” do rol de dependentes para fins previdenciários foi baseada na afirmação de que haveria fraudes recorrentes em processos de guarda. Avós ou outros parentes estariam requerendo a guarda de crianças ou adolescentes apenas para fins de concessão do direito à pensão, não para fins de proteção e cuidado.
Ao ingressar como amicus curiae, o IBDFAM lembrou a necessidade de privilegiar o princípio da proteção integral, prevista na Constituição Federal, e também os pressupostos do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990). A defesa é da presunção da boa-fé e de que casos isolados devem ser apreciados pelo Poder Judiciário.
Além disso, a amplitude da proteção integral deve ser estendida para fins previdenciários, ainda segundo a petição apresentada pelo IBDFAM. O ECA, enquanto legislação especial, deve prevalecer sobre a legislação previdenciária que afastou tal direito sob alegação de fraude. Leia a proposição apresentada pelo Instituto na íntegra.
Voto divergente destacou proteção social
Vice-presidente da Comissão de Direito Previdenciário do IBDFAM, o advogado Anderson de Tomasi Ribeiro está atento ao julgamento. Ele destaca que, no voto divergente ao do relator, o ministro Edson Fachin destacou que a proteção social analisada tem guarida não apenas na legislação brasileira, mas também na Convenção dos Direitos da Criança de 1959, respaldada pelo Brasil no Decreto 99.710/1990.
“Em um voto em que efetivamente levou em conta o olhar do Direito Previdenciário, o ministro julgou procedente a ADI 4.878 [e parcialmente procedente a ADI 5.083] de modo a conferir interpretação conforme ao § 2º do artigo 16 da Lei 8.213/1991, para contemplar, em seu âmbito de proteção, o ‘menor sob guarda’”, destaca Tomasi. Ele atua no processo como amicus curiae pelo Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP.
Em seu voto, Fachin destacou: “Ao assegurar a qualidade de dependente ao ‘menor sob tutela’ e negá-la ao ‘menor sob guarda’, a legislação previdenciária priva crianças e adolescentes de seus direitos e garantias fundamentais”. Também defendeu: “A interpretação que assegura ao ‘menor sob guarda’ o direito à proteção previdenciária deve prevalecer, não apenas porque assim dispõe o ECA, mas porque direitos fundamentais devem observar o princípio da máxima eficácia”.
Mais civilista que previdenciarista
Um dos argumentos utilizados por Gilmar Mendes, que votou pela constitucionalidade da norma analisada, está calcado nos supostos casos de má-fé, como destaca Anderson Tomasi. Em seu voto, o ministro observou que “era comum que avós, segurados do INSS ou servidores públicos, assumissem a guarda dos netos, de modo a torná-los potenciais beneficiários de sua pensão por morte”.
O diretor nacional do IBDFAM se opõe a esse entendimento: “Não foi apresentado nenhum estudo ou levantamento neste sentido, o que nos traz preocupação, pois a boa-fé sempre foi analisada de forma objetiva, neste momento, estar-se-ia invertendo esta presunção”.
Para o advogado, a Corte tem adotado um olhar “mais civilista do que previdenciarista”. Foi assim, segundo o especialista, no recente julgamento do Tema 529, em que o STF negou reconhecimento de uniões estáveis concomitantes para fins previdenciários.
“O Direito Previdenciário é autônomo e sem dúvida necessita de outras áreas para a compreensão de determinados temas, entretanto verifico que a proteção social não tem sido levada em conta, muito menos a universalidade de cobertura, seletividade e distributividade”, opina Tomasi.
Consequências devastadoras
Segundo o especialista, o processo ganhou grande relevância pelo fato de o ministro Gilmar Mendes ter trazido, em seu voto, entendimento em relação ao § 6º do artigo 23 da Emenda Constitucional – EC 103/2019, conhecida como “reforma previdenciária”. O dispositivo manteve a exclusão do “menor sob guarda” do rol de dependentes do segurado ao restringir a equiparação a filhos “aos menores tutelados e enteados”.
Em seu voto, Mendes dispõe que a nova redação da norma, bem como à recente alteração constitucional, “demonstra que foi a intenção do legislador excluir o menor sob guarda dentre os possíveis beneficiários do segurado, mudança que objetivou reduzir os gastos, inclusive em razão do desvio de finalidade identificado nos casos em que avós recebiam a guarda dos netos (…)”.
“A própria Advocacia Geral da União – AGU, na sua manifestação no processo, aponta que o número de indeferimentos de crianças e adolescentes sob guarda tem uma média entre 2003 e 2018 de 660 casos ano, número ínfimo se levado em conta a movimentação de benefícios da Previdência Social”, observa Anderson Tomasi.
Ele acrescenta: “Entretanto, as consequências da ausência de amparo são devastadoras para crianças e adolescentes. Esperamos que o princípio do melhor interesse prevaleça e que a proteção social seja o norte deste importante julgamento”.